19 agosto 2012

Ópera e Cantores Líricos - Por que cantam assim?

Você já se perguntou alguma vez por que os cantores líricos cantam daquela forma, com a voz encorpada e com tanta vibração? Bem, eu já. E sinceramente, eu raramente gostava de algo cantado assim. Até que um dia fui tentar compreender.

A Voz Como um Instrumento
Eu descobri que, em primeiro lugar, estranhamos este tipo de cantar porque estamos acostumados a pensar e imaginar a voz do mesmo modo como "conversamos", da maneira com que "falamos". Ou seja, dentro daquela classe de fonemas e modelos de se pronunciar, falar, o canto, a melodia, o tipo de legatos, de articulação das palavras, a tendencia da fala nasal, de se falar com a "garganta". Bem, e todas a essas coisas que de maneira aproximada, faz com que não estranhemos o som das palavras das pessoas numa conversação.

Pensando desta maneira, as musicas em geral mais populares, ou melhor ainda, as que não são cantadas 'liricamente', são cantadas de maneira a ficar bem semelhante com a maneira como falamos, conversamos, pronunciamos normalmente as palavras. As maiores diferenças são quanto ao 'tempo' de duração das palavras, intensidade do volume, e uma dinâmica ou outra, mas nada que chegue a soar muito "estranho", ou "diferente" do que seria o "falar".

Já quando pensamos no cantar "liricamente", na verdade, praticamente não vemos esta conotação. Mas sim como um Instrumento Musical. Ou seja, a voz humana é vista como um "timbre", assim como cada instrumento tem o seu timbre. Então, quem é baixo tem que destacar e sempre se fazer soar o "timbre do instrumento voz baixo", o tenor, o instrumento voz tenor, e assim por diante. De modo, que você vê cada cantor lirico, com a sua voz nitidamente timbrada de acordo com a sua classificação (baixo, tenor, contralto, soprano...), dificilmente ira ver alguem variando entre elas, como se vê muito no popular,

Além disso, a "mecânica" do instrumento também tem um cuidado especial. Ou seja, como um Instrumentista Profissional, busca usar o mais corretamente o seu instrumento, de modo, que a força para cantar, ou melhor, emitir o som, não vem da 'garganta', mas da musculatura de sustentação ("da barriga" como alguns dizem); e assim, permitindo as "pregas vocais" vibrarem livremente e relaxadamente; e assim, vibrando tanto, vai então destacar o SOM DO INSTRUMANTO DA VOZ. A grosso modo, não precisa cantar palavras, como conversamos, de certo modo, o cantor lirico não canta palavras, frases, coisas que para nós é a "conversação"; mas sim, notas musicais, sons. A palavra, os fonemas, são visto como "sons" e não como a linguagem ou o idioma.

Com isto, com essa super tecnica, consegue se tirar o máximo de potência da voz humana, o qual consegue vencer a potencia de diversos instrumentos musicais que são por natureza potentes, como o trombone. Cantar por horas, com muito volume, potencia, e com sustentação, sem ficar roco, perder a voz, porque a mecânica está correta. E com isto, como nos demais instrumentos musicais, usar de diversas dinâmicas, inclusive aquelas que geralmente não são usadas na "conversação" do dia-dia, ou na forma como falamos as palavras, e deste modo, longe das coisas populares... O foco, deles ao cantar uma frase, por exemplo:

"Noite feliz, noite feliz..."

... o foco, não é pronunciar essas palavras, ou ler elas, algo que para nós se caracteriza uma "fala cantada", ou "falar com uma melodia diferente da usal para conversar". Mas sim, o foco deles, é, em primeiro lugar, cantar tal musica, no aspecto melódico, da métrica, ritmo, dinâmica, em segundo lugar, no aspecto do Seu Instrumento, ou seja, o timbre da sua voz, tem que sair o som do seu instrumento. É como se fosse imaginar que um trompete pudesse falar, e que este ao tocar a musica, de algum modo tambem emitisse os fonemas dessas palavras. E por ultimo, seria a emissão de expressar essas palavras da forma usual como o de uma conversação.

Isso, claro, varia muito de compositores e mesmo de musicas. Sendo a grande dificuldade, ou talento, do cantor, o de conseguir expressar tais palavras, tais frases tão bem, que de modo, que podia não pronunciar as silabas, letras, palavras, mas poderia cantar, produzir um som que significasse mais do que tais palavras. Ou seja, é uma refonetização das silabas, palavras. Pois o foco está no som. Na sonorização. O mecanismo é diferente. É muito estranho a principio para quem está apenas habituado a usar o mecanismo que conversamos no dia-dia.

O grande exemplo mestre disto está em Beethoven ao usar a Voz Humana, este instrumento, incorporando da Orquestração de uma sinfonia (algo inédito feito até então). Isto mostrou claramente, a sua importância que deu para o Instrumento da Voz Humana, o Som da Voz Humana (e não o das palavras), de modo a formar uma sinfonia com uma orquestra. Claro, ele também se importou com a expressão e pronuncia das palavras - e muito. Todavia, há trechos, em algumas notas mais longas principalmente, que a grosso modo não dá para entender "o que se diz, qual silaba", mas são apenas os sons das vozes humanas. O próprio Beethoven disse certa vez de que estava quase sendo convencido que as musicas não precisavam de palavras idiomáticas, digamos assim, pois através dos sons, da música, conseguia se produzir sons, idéias, que expressassem muito melhor as idéias do que as próprias palavras de uma conversação. Todavia, os grandes compositores, inclusive Beethoven, pensavam nos fonemas de cada palavra, na pronuncia de cada uma ao compor, deste modo, fazendo a escolha das palavras, seus fonemas, e demais dinâmicas como parte intrínseca da composição; sendo este o PRINCIPAL MOTIVO pelo qual não se traduz tais obras; mesmo aqui no Brasil, a 9ª é cantado no Alemão da época de Beethoven; pois o enfoque não está nas palavras, mas na semântica que a sonoridade como um todo produz.

Aliás, quando comecei a pensar e tentar compreender mais isto, foi quando comecei a desenvolver um outro tipo de sensibilidade, algo que até então nunca havia parado para pensar: "as diferenças timbristicas, entonativas, articulativas dos idiomas". É incrivel quando começamos a ter mais esse tipo de percepção. Exemplos disso é o Inglês comparado ao Port. brasileiro. O Inglês é um idioma MUITO articulando, imperativo, forte, um idioma mais brado, enquanto o idioma brasileiro é muito mais molenga, suavizado, nasal, muito menos majestoso. Alias, consigo perceber que muitos traços do carater brasileiro (como descreve Mario de Andrade em Macunaíma) está correlacionado ao seu idioma. Algumas palavras demonstram claramente isso, por exemplo nas seguintes frases:

Inglês: "The God say", "Come here!", "Let's go", "The power"

Português: "Deus disse", "Venha aqui!", "Vamos", "A força"

Pronuncie tais e repare bem as diferenças semânticas, quando pensamos no efeito musical de tais. Eu particularmente, passei a pensar que "Deus" é uma péssima palavra para representá-Lo, "God" é bem melhor, apesar de suar muito militar. Mas essas silabas De-"us", di-"sse", v-"enha", V-"amos", for-"ça" são muito manhosas, arrastadas, preguiçosas, pouco energéticas.

Pense por exemplo na obra Te Deum de Bruckner, tente imaginar aquela abertura entoando "Tee Deeeeeum", sendo entoado no português: "Ooo Deeeeeeeeuusss", tentando imaginar articulando dentro daquela forte marcação e entoação dos metais e órgãos. Isto mesmo. É muito diferente! Enquanto 'God' soa como um ponto final, quase como uma interjeição, exclamação, é fortemente imperativo; já 'Deus' soa como uma introdução, um inicio de frase simples, leve, é calmo. Se trabalharmos essas palavras com algumas expressões para tentar marcar, percebemos, por exemplo que "He is God." é muito mais marcante, forte, convincente do que "Ele é Deus". De modo que sentiria muito mais confortável para encerrar um discurso  amistoso e motivador com "He is God!" (num sotaque britânico) do que com "Ele é Deus!".

Desta maneira temos nessas obras liricas, toda uma importância para a sonoridade das palavras, e não da 'conversação'. Claro, ouvir uma obra em seu idioma nativo é muito mais fácil de compreender o que foi dito. Todavia, há óperas, que alguem no próprio idioma nativo pode não compreender algumas palavras, entender o que foram ditas. Por isso, quando se for ouvir uma obra lirica, tem que se repensar o que irá ouvir ali, é um mecanismo artistico, musical, semântico muito diferente do que estamos habituados a ouvir no cotidiano.

A Capacidade Técnica ao Extremo
Em geral, até o período Clássico, na maioria das obras cantadas (por exemplo Handel), é possível se perceber ainda um grande enfoque nas palavras, na linguagem. Tanto que Handel é uma linguagem bem britânica em seu caráter e pronuncia [muito ligada a versão King James da Bíblia]. Já do Romantismo em diante, começou a ter um outro enfoque, o de ousar se buscar a maxima dificuldade tecnica e capacidade da voz humana, para algumas coisas, até consideradas exageros; o que seria Paganini para o violino, passara a se ter muitas músicas, inclusive óperas para voz humana. Muitos malabarismos, dinâmicas.


Que tal agora tentar ouvir esta ópera de Mozart, Die Zauberflôte, com esta nova visão, tentando também pensar na combinação das vozes com a orquestra, as articulações, as semânticas; acredito que terá uma nova percepção.

Se quiser procurar uma obra de caráter mais animado, que talvez seja mais divertido e amistoso, talvez possa encontrar em compositores italianos como Verdi e Rossini.
O Barbeiro de Servilha

Copland,Fanfare for the Common Man - OSESP

Gostaria de compartilhar uma maravilhosa e incrivel clarinada de Copland. Mas acima de tudo, gostaria de compartilhar um pouco da incrivel orquestra brasileira que temos, a OSESP, e a maneira como ela nos representou numa das mais respeitadas salas de concerto do mundo, a Proms em Londres - Inglaterra.

(dica, ouça essa música com um bom audio, e no volume máximo)